Review | Please Be Happy
Desenvolvedora: Studio Élan, Sometimes You
Publicadora: Sometimes You
Gênero: Visual Novel Yuri
Data de lançamento: 21 de Fevereiro de 2025
Preço: R$ 93,99
Formato: Digital
Análise feita no Nintendo Switch com cópia fornecida gentilmente pela Sometimes You.
Revisão: Davi Dumont Farace
Please Be Happy é um título desenvolvido pelo estúdio Élan, cujo foco é majoritariamente em visual novels yuri combinadas com aspectos mágicos de fantasia. Please Be Happy não seria diferente, se passando em um mundo alternativo, semelhante ao nosso, mas que, ao contrário da realidade é habitado por pessoas que são híbridos entre humanos e animais, além das mais diferentes raças magicas.

Em uma livraria… de todos os lugares possíveis
O jogo conta a história de Miho, uma raposa nascida em uma floresta na Coreia. Miho carrega consigo a memória de um viajante humano que a tratou com uma bondade e ternura que a marcou de uma forma profunda. O animal passou as últimas centenas de anos atrás do viajante de sua memória, sem nem mesmo ter o nome da pessoa que um dia havia a tratado com tanto respeito. Em busca de mais pistas sobre o viajante misterioso, a raposa chega até Wellington, na Nova Zelândia, agora podendo alternar entre as forma humana e animal.

Devido a sua natureza animalesca, Miho possui uma certa dificuldade em entender conceitos básicos de convivência humana, tendo passado a maior parte de sua vida roubando e sendo furtiva para sobreviver fora do ambiente natural. A raposa também tem um trufo guardado em sua manga que a ajuda a sobreviver: ela é envolta por uma magia misteriosa que faz todas as pessoas a esquecerem depois de 24 horas desde a última interação. Por conta disso, vários delitos de Miho conseguiram passar despercebidos ao longo de sua vida.
Não demora muito após a sua chegada em Wellington e Miho chega agraciada com a presença e bondade de Juliet, dona de uma pequena biblioteca na cidade, que a oferece um lugar para ficar. A raposa também conhece Aspen, uma aspirante a escritora que frequenta a biblioteca de Juliet. Desta forma, as três acabam formando um forte laço de amizade que aos poucos vai sendo desenvolvido conforme as duas garotas vão ajudando a protagonista a se adaptar à civilização, além de correr atrás de seus objetivos.

O jogo não explica isso diretamente até que a própria personagem chegue a conclusão natural de fato, mas é evidente que a busca pela tal pessoa dos sonhos, a qual não sabe o nome, não faz muito sentido. Considerando a expectativa de vida humana, já está morta a muito tempo. Não só o entendimento de mortalidade humana, convenções sociais, como também o amadurecimento emocional também fazem parte da jornada de Miho. Please Be Happy é sobre como as pessoas podem nos ensinar sobre a vida, sobre o que podemos trazer para dentro de nós mesmos a partir de experiências alheias e os desafios de estabelecer conexões significativas com os outros.
Vem como um leão e vai como um cordeiro
Please Be Happy não se esforça muito em explicar o mundo em que a história se passa. O jogo possui uma ambientação de baixa fantasia; isto é, trabalha com ideias fantasiosas em um mundo muito semelhante ao nosso, mas ao fazer isso acaba esquecendo completamente de situar o jogador em todo o aspecto mágico que permeia a história como um todo.
Por conta disso, muitas vezes me senti mais perdido até mesmo do que Miho por boa parte da jornada, no que se refere a alguns conceitos, como as diferentes raças e quais são suas características se comparadas as de um humano normal. Não que o jogo exija uma compreensão profunda de todas as camadas da sociedade de seu mundo fictício. Esse problema é bem sútil e só se torna aparente a primeira instância, principalmente se o jogador chega completamente às cegas na história; mas não demora muito para as dinâmicas entre as diferentes raças se tornarem mais claras.

Ainda assim, o jogo apresenta aqui e ali um conceito novo que enriquece ainda mais o mundo criado, como se o que víssemos fosse apenas uma pequena fração do que existe na realidade. Acredito que isso é de suma importância para uma história de fantasia como essa, que trabalha com baixos riscos e consequências para o ambiente ao redor. Quando o jogo dá pinceladas aqui e ali do que pode haver mais além daquilo que é necessário para a história, o mundo torna-se mais rico e ganha mais credibilidade, mas sem sacrificar o tempo de tela, que é o que realmente importa, ou prejudicar ritmo da narrativa.
São nessas pequenas coisas que Please Be Happy entrega uma construção de mundo concisa; não colocando-a no centro da narrativa, mas utilizando de suas características básicas para contar algo sobre as experiências interpessoais daqueles personagens a partir das consequências de como aquele mundo funciona.

Please Be Happy não tem muitos problemas no geral, mas algo que me chama atenção de um modo negativo é como os capítulos são divididos. O jogo parece que não possui nenhuma métrica para delimitar onde um capitulo vai começar ou terminar; em vários momentos a gameplay passa por momentos bombásticos e reveladores que poderiam ser o fim de um capítulo, concluindo um pequeno arco. No entanto, o jogo insiste em continuar, ao invés de dar uma pequena pausa para o jogador respirar e absorver aquelas informações.
Isso acaba causando um certo estranhamento, especialmente se considerarmos que os 2 primeiros capítulos são bem concisos e possuem uma certa consistência temática, abordando os primeiros dias de Miho em Wellington. A partir do terceiro o jogo parece já juntar o que poderia ser dividido em dois ou três arcos semelhantes. Se o jogador em questão for neurótico que nem eu, e só consegue dar pausas no final de capítulos, isso pode ser um pequeno problema.

O peso de um coração
O fato de Miho ser uma personagem completamente alheia ao modo de vida humano tradicional e costumes civilizados é crucial para esse conceito e engrandece bastante a temática. Não somente pelo que ela aprende a respeito da vida em sociedade na cidade, aprendendo a ler e trabalhar, mas também ao crescer emocionalmente e contando com o apoio de suas amigas para enfrentar seus próprios dilemas.
O arco de amadurecimento de Miho passa até que bem rápido, considerando a duração do jogo, o que abre espaço para a gameplay dedicar-se ao romance e a outras questões da história que vão sendo apresentadas aos poucos. A narrativa então pode seguir por dois caminhos diferentes, com Aspen ou Juliet. Isso abre brecha para o relacionamento ser bem desenvolvido mesmo não sendo necessariamente o foco da história em si — o jogo continuaria muito bem se todo o arco romântico fosse retirado, mas é bom que esteja ali de qualquer forma visto que o romance é muito bonito e bem escrito como um todo.
Não somente no que diz respeito à história emotiva, mas o jogo todo em si é carregado por uma escrita sucinta, poética e recheada de sentimentos que fazem com que a experiência de leitura seja de encher o coração, principalmente nos momentos mais de mais sentimento. Personagens como Juliet e Aspen, que são muito bem estudadas e tem esse viés literário como parte de suas personalidades, são muito boas em expressar seus sentimentos de uma maneira um pouco mais poética e justifica bem a ótima escrita dos diálogos.

Please Be Happy também faz esse contraste interessante entre Aspen e Juliet no sentido de que as duas garotas são bem eloquentes, enquanto Miho possui um vocabulário bem mais simples e falha em entender ironias, piadas, convenções e regras sociais não ditas. Tudo isso ajuda a tornar mais perceptível a distância social entre a raposa e as demais — por mais que isso vá aos poucos diminuindo enquanto as mesmas se tornam cada vez mais próximas emocionalmente.
Belo, como o nascer do sol neozelandês
As ilustrações de Kobuta possuem um estilo bem natural por assim dizer. É perceptível nas linhas que contornam os personagens, uma textura de lápis que dá uma sensação mais natural aos retratos dos personagens, juntamente com a forma com que as cores se misturam e o tom da paleta de cores do jogo. Essas características fazem com que a carinha das personagens remeta diretamente a natureza, o verde de Wellington e o que é orgânico e vivo no ambiente em que a história se passa.

O jogo se esforça para passar um clima tranquilo e aconchegante através de toda a sua direção de arte e consegue muito bem realizar isso — com a simplicidade de um estúdio formado por poucas pessoas, claro, mas que ainda assim foi capaz de realizá-lo de forma eficiente e que edifica a experiência. São poucas coisas que não são visualmente interessantes no jogo, algo que pode ser citado como um exemplo disso são as caixas de texto nos momentos de diálogos, que não possuem nada que as diferencie de algo completamente genérico. Isso até cria um certo contraste negativo com toda a direção mais voltada pra algo natural dos cenários e os retratos das personagens.
A música também desempenha um papel importante na ambientação de Please Be Happy. Com a utilização de instrumentos de cordas como violões, violinos, passando por pianos e até mesmo guitarras elétricas em momentos mais pontuais, o jogo aposta em uma trilha sonora que é exatamente o que se espera de um jogo como este; músicas mais calmas e contemplativas, com uma ou outra mais animada, e um ar de “música de episódio de praia de anime”. Nenhuma das faixas é particularmente memorável, mas todas cumprem bem o seu papel de complementar toda a arte e clima do jogo — certamente, quem decidir jogar Please Be Happy com um bom fone de ouvido não vai se arrepender.
Please Be Happy é inteiramente dublado em inglês com uma qualidade de atuação realmente impressionante. Cada interprete soube passar bem o ar e a individualidade de cada personagem, com suas entonações especificas pedidas de cada momento. A dubladora da Aspen em especial é apaixonante de se ouvir, com a sua voz doce e com um ar de intelectualidade de alguém que tem um vocabulário extenso devido a quantidade de exposição a literatura. A forma com que a entonação dela muda conforme fica com vergonha ou empolgada também é de encher o coração.

Outra característica interessante do jogo é a possibilidade de customização da experiência de leitura. O jogador pode, a qualquer momento no menu, escolher entre diversos tipos e tamanhos de fontes para o texto do jogo, além de configurar a velocidade com que o texto avança no automático. São opções simples, não existe nada muito inovador aqui em termos de acessibilidade, mas podem vir a calhar em determinados momentos; afinal, o que não falta no Nintendo Switch são jogos com a fonte pequena demais para se jogar no portátil.
Algo que me fez bastante falta na experiência de leitura foi o suporte a tela de toque do Nintendo Switch. Talvez isso incomode uma pequena parcela de jogadores como eu, que tem o habito de jogar deitado na cama, virado de lado e apenas tocando na tela para avançar diálogos.
Sozinha, não se conquista a felicidade

Please Be Happy é um jogo fundamentalmente simples em sua forma e essência, não existe nada tecnicamente impressionante na forma como a história é contada ou em como seus personagens interagem e são apresentados. No entanto, em um mar recheado de não só jogos cozy mas como livros, filmes, séries, que por essência são de baixo risco, com uma leitura bem pouco desafiadora; Please Be Happy chama a atenção por sua temática mais intimista, por abordar temas um pouco mais pesados, se aprofundando neles enquanto usa de seu mundo para criar e explorar novas dores que podem ser um reflexo da que vivemos em nossa realidade.
Prós:
- A dublagem é um destaque do jogo;
- Bela arte e trilha e sonora;
- Vai além da superficialidade comum de títulos com ambientação parecida;
- História intimista bem escrita.
Contras:
- Sem suporte a tela de toque;
- Menus simples e visualmente sem graça;
- Distribuição de capítulos um pouco esquisita.
Nota
9
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